domingo, 3 de junho de 2012

Infiel, a história de uma mulher que desafiou o islã, de Ayaan Hirsi Ali.



"Eu sou Ayaan, filha de Hirsi, filho de Magan, filho de Isse, filho de Guleid, filho de Ali, filho de Wai'ays, filho de Muhammad, filho de..." Não, não se trata de uma genealogia bíblica, mas de uma menina somali de cinco anos que em plena década de 1970 responde a uma simples pergunta de sua avó: quem é você? Aos poucos, com persuasão e surras, ela aprenderá a recitar a genealogia de seu pai até o grande clã Darod, oito séculos atrás. E assim obterá o conhecimento mais importante de sua vida: a linhagem, sem a qual não será nada. É assim nesse mundo tribal, clânico e muçulmano que Ayaan nasce, cresce, tem o clitóris extirpado aos cinco anos de idade, é chamada de prostituta e esmurrada pela mãe quando chega sua primeira menstruação, e tem o crânio fraturado por um pregador do Alcorão que a obriga a decorar o texto sagrado em árabe, língua que não entende.


Mas Ayaan também é filha de um importante opositor da ditadura de Siad Barré, e sua família é obrigada a se exilar da Somália. E assim ela conhece os rigores do islamismo da Arábia Saudita (onde mulher não entra no país nem sai à rua desacompanhada de homem), o cristianismo monofisista da Etiópia e a salada cultural do Quênia, cada país com calendário próprio e escolas em idiomas diferentes. Na adolescência, para manter sua identidade diante de tanta diversidade cultural, ela se aferra ao islamismo e chega mesmo a aderir ao fundamentalismo mais radical. Mas a perspectiva de passar o resto da vida ao lado do desconhecido com quem foi obrigada a se casar acaba por levá-la à fuga e ao exílio no Ocidente.


Infiel é a autobiografia dessa mulher extraordinária que superou todas as barreiras familiares, sociais e religiosas impostas ao sexo feminino e passou a lutar destemidamente pelo direito das mulheres muçulmanas e pela reforma do islã. Sua coragem valeu-lhe uma eleição para deputada na Holanda, mas também a condenação à morte pelos radicais islâmicos, que veio na forma brutal de uma carta cravada com faca no peito do seu amigo Theo Van Gogh, cineasta com quem fizera o curta Sumissão em 2004, sobre a opressão da mulher no islamismo. Convertida aos ideais iluministas liberais do Ocidente, ela recriou sua identidade em muitos sentidos, concebendo inclusive uma nova ideia do que é um indivíduo fundamentalmente livre.


AYAAN HIRSI ALI nasceu em Mogadíscio, capital da Somália, em 1969. Em 1992, exilou-se na Holanda, onde foi eleita deputada em 2003. Ameaçada de morte, foi obrigada a abandonar a Europa e vive atualmente nos Estados Unidos. Em 2005, a revista Time a incluiu entre as cem pessoas mais influentes do mundo.


Copiei o texto acima das orelhas do livro porque acho que ele diz basicamente toda a história.


Esse é um daqueles livros raros e impactantes que nos marcam para sempre. Não há como não ficar pensando sobre as palavras dessa mulher. Impossível ficar indiferente. Recomendo esse livro para todas as pessoas interessadas em direitos das mulheres, política e religião.


No quesito política, este livro nos insta a repensar sobre ideologias e práticas políticas como cidadão e como agente político.


Em relação à religião, a autora evoluiu de uma devota muçulmana radical ao ateísmo, nos convidando à repensar sobre qual são nossas fundamentações para aderir a certas crenças e crendices.


Abaixo o curta Submissão - Parte 1. A oração está em árabe e as falas em inglês. Para facilitar quem não domina nenhum dos idiomas, as legendas estão em holandês! =D





domingo, 27 de maio de 2012



Quando o Rótulo não Condiz com o Produto


NAMRADOS PARA SEMPRE – uma verdadeira história de amor

Aclamado pelo público e pela crítica mundial, este é um retrato íntimo de um relacionamento que está em franca desintegração. Com um romance outrora cheio de paixão, Cindy e Dean são casados e têm uma filha de cinco anos. Na esperança de salvar o seu casamento eles reservam um quarto no motel, relembrando anos atrás quando se conheceram, se apaixonaram e fizeram seus primeiros planos cheios de vida e esperança. Movendo-se de forma fluida entre o passado cheio de juventude e o presente da vida adulta, o filme se desdobra como um dueto cinematográfico cujo refrão pergunta sem parar: “para onde foi o nosso amor?” A resposta para esta pergunta está dispersa no tempo e nos personagens... Indicado ao Oscar e ao Globo de Ouro 2011.

As partes em itálico são falsas.

Michelle Williams concorreu ao prêmio de melhor atriz no Oscar e no Globo de Ouro, nos dois eventos perdeu o prêmio para Natalie Portman. Já o Ryan Gosling concorreu ao Globo de Ouro por melhor ator, perdendo para Colin Firth (que também ganhou Oscar).

O filme teve, de fato, um monte de indicações em dezenas de festivais de cinema, mas só foi premiados em dois, de menor importância.

Antes de tudo, um resumo do filme:

Uma adolescente doce-amarga
Logo no início dá pra notar que a relação do casal ruma para o seu colapso neste drama independente de Cianfrance Derek (É independente só porque estreou no Sundance Film Festival). Dean (Ryan Gosling) conhece Cindy (Michelle Williams) quando eles devem ter uns 18 anos. No momento que se conheceram ele estava trabalhando para uma empresa de mudança e ela era uma estudante universitária visitando a avó que residia em um lar para idosos. Cindy namorava Bobby (Mike Vogel), seu namorado de escola, mas depois ela conhece Dean, uma atração mútua cresce entre eles. Dean e Cindy se casam e têm uma filha, Frankie (Faith Wladyka). Cindy não tem certeza da paternidade da menina, mas acha que o pai mais provável é Bobby. Mesmo ciente de que não deve ser o pai biológico, Dean ama a sua filha, porém se sente distante de sua esposa. Está claro que eles não são mais felizes como antes. Para tentar reacender a paixão, Dean aproveita um desconto pra dormir num motel com a esposa – que demonstra estar nem um pouco a fim. Cindy e Bobby esbarram-se por acaso numa loja de bebidas e surge um clima tenso entre eles. Bobby age como se ainda a desejasse e desprezasse ao mesmo tempo perguntando se ela é uma esposa fiel. Dean e Cindy vão para um motel barato, onde percebe-se claramente não haver mais sintonia entre os dois. Cindy tinha avisado que estava de prontidão e recebe um chamado do trabalho logo cedo, então ela vai embora para o trabalho antes do marido acordar. Ele fica indignado, embriaga-se e vai discutir com ela no trabalho. Depois de muitos gritos, desabafos e um soco na cara do chefe da esposa – que a demite – eles vão para casa do pai dela, pois a filha dormiu lá, onde terão uma conversa triste. Não fica claro que o fim do relacionamento é definitivo, pois ele vai embora quando ela se queixa de falta de espaço.
Este envelheceu 15 anos em 5!

O filme começa com o presente (casamento em ruínas) mas fica fazendo flashbacks de quando eles se conheceram e começaram a namorar. No início não dá pra decifrar onde está o passado e o presente. Mas depois de ver quatro vezes entendi que Cindy de cabelo preso é a enfermeira dedicada, mãe cansada e esposa entediada do presente. Cindy de cabelo solto é a adolescente estudiosa e doce-amarga do início da estória.

Já o Dean tem mais cabelo no passado, e parece ter envelhecido uns 15 anos em apenas cinco para chegar ao presente. Fizeram uma maquiagem horrorosa em Gosling deixando ele com uma testa protuberante e uma barba feiosa para diferenciar do Dean mais jovem e solteiro.

E onde está a propaganda enganosa do rótulo?

Momento mais belo e romântico do filme
Começa com a tradução do título: Blue Valentine tá longe de significar amor eterno. Muito pelo contrário, é um namoro triste. E o filme é exatamente sobre isso: um amor que acabou e a relação ficou cansativa e desinteressante, especialmente para a mulher, pois ela não o vê mais como um homem atraente e admirável. Transparece nos diálogos que ela o acha um cara medíocre, perdedor e, lá dentro do motel, ela sente absolutamente nenhum tesão pelo marido.

Realmente, o Dean parece não ter amadurecido como homem. Nota-se pela forma como ele lida com a filha no café da manhã e sua vidinha não passa de uma mistura de preguiça com falta de perspectiva. Apesar de inteligente e talentoso, nem terminou o nível médio e sua renda é viver como pintor de paredes. Tá sempre sujo de tinta, nem aí pra aparência e higiene.

Um outro engano do rótulo é sugerir que eles reservam um quarto de motel pra relembrar o passado.

O Dean praticamente obriga a Cindy a passar um fim de semana com ele num motel fora da cidade.

Sabe aquele encontro brochante?
Lá no motel ela tá nem um pouco a fim. Depois de tomar um banho e beber um pouco, os dois até conversam, mas a conversa não prospera para algo significativo. Então brincam um pouco. Ele tenta fazer amor com ela, mas ela demonstra que só transaria com ele à força, como se estivesse sendo estuprada. Enfim, foi uma brochada geral. Não havia química, física nem biologia que salvasse a intimidade do casal.

Imagino que alguns casais desavisados optaram pra ver o filme pensando ser um filme romântico perfeito pra comemorar datas especiais. Pior ainda, se um cara quer impressionar a mulher com um filme "romântico" desses... ela vai dispensá-lo na hora!

domingo, 6 de maio de 2012


Dublagens Limpinhas

Sabemos que os brasileiros, em geral, não formamos uma sociedade pudica que morre de vergonha de falar palavrão. Mesmo em ambiente de trabalho é comum ouvirmos “porra”, “caralho”, “tomei no cu”, “to fodido”, “puta que pariu”.

Então, por qual razão misteriosa as dublagens dos filmes em inglês para o Brasil são tão pudicas?



Cameron Diaz, in Bad Teacher
Assisti à comédia “Professora Sem Classe” (Bad Teacher, EUA, 2011), de Jake Kasdan, no cinema, onde a professora desclassificada (e desbocada) do título (Cameron Diaz) fica puta da vida porque tem que ir à escola no sábado e usa a expressão fucked my ass (tomei no cu), da tradução saiu o inocente me dei mal. A versão dublada saiu tão pudica que perdeu a graça, o trailer era muito mais provocante.





Na obra Winter's Bone, (EUA, 2010), de Debra Granik, que tiveram o mau gosto de colocar o título nada a haver “Inverno da Alma”, há um momento em que a protagonista (Jennifer Lawrence, que concorreu ao Oscar de melhor atriz pelo papel) diz my ass you will, se referindo à proposta de Blond Milton de cuidar do irmão dela, aí traduziram pudicamente: nem me matando. O certo seria: meu cu que você vai cuidar dele! O próprio contexto de uma família de gente pobre e marginalizada já seria o suficiente para sustentar uma tradução mais próxima do original.
Jennifer Lawrence, in Winter's Bone



Annette Bening, in The Kids Are All Right
Na dramática comédia “Minhas Mães e Meu Pai” (The Kids Are All Right, EUA, 2010), de Lisa Cholodenko, a personagem Nic (Annette Bening - ainda acho que ela merecia mais o Oscar do que Natalie Portman no ano passado) diz o quanto despreza as observações de Paul: I need your observations like a need a dick in my ass. Traduziram lindamente: E eu preciso disso como eu preciso de uma paulada na cabeça! A ideia original, um pau no meu cu, soa muito mais autêntico e genuíno para uma personagem lésbica de personalidade forte como Nic.

Aí vem a pergunta que não quer calar: de onde tiraram a noção de que é melhor filme sem palavrão?

Por outro lado, já constatei um estranho comportamento em gente que fala “porra, caralho, buceta, puta que pariu, vai tomar no cu” assim, como quem diz “oi, tudo bem”, me dizer que não gostou de tal filme porque falava muito palavrão... pense!

domingo, 29 de abril de 2012

Atração Perigosa é mais um grande sucesso...

de crítica comprada



Atração Perigosa (The Town, EUA, 2010), de Ben Affleck. Rottentomatoes: 94%, IMDB: 7,6

AVISO: eu conto o final e outros detalhes.





Trama: Doug MacRay (Ben Affleck) lidera um grupo que assalta bancos e carros fortes na cidade de Boston. O grupo é de uma gang de descendentes de irlandeses que vive na comunidade de Charlestown. Logo no início somos avisados que Chalestown é o maior produtor de assaltantes de banco do planeta, e que essa “atividade econômica” é comumente passada de pai pra filho. O próprio Doug é filho de um perigoso assaltante mas perdeu sua chance de seguir o caminho do bem, passando pelo vício de drogas e depois “graduou-se” como assaltante de banco profissional.

Temos várias visões panorâmicas do bairro como se este fosse o ponto turístico mais lindo dos Estados Unidos.

Depois do preâmbulo avisando que estamos conhecendo um ninho de cobras, digo, de assaltantes de banco, vemos o grupo dando os últimos ajustes para um assalto planejado a tempos. Logo em seguida o assalto, onde o assaltante James Coughlin (Jeremy Renner, concorreu ao Oscar de melhor ator coadjuvante pelo papel), arrasta como refém a gerente lindinha e insossa Claire Keesey (Rebecca Hall, a Vicky de “Vicky Cristina Barcelona”), para depois soltá-la na beira da praia.

Visto que eles ficaram com sua habilitação, sabem onde ela mora e percebem que são vizinhos. Jem (apelido de James) pretende segui-la para talvez aterrorizá-la mais ainda com o fito de prevenir alguma possibilidade de que ela os entregue à polícia. Então o bonitão Doug toma a frente e resolve que quem vai cuidar disso é ele. Ele a segue e simula um encontro casual só pra ter certeza de que ela não o reconhece. Ocorre que o bandido se apaixona pela mocinha, e ele passa a desejar sair desse mundo do crime. Todavia, os parceiros do crime são como uma família substituta para Doug, cheias de juramentos e dívidas passadas.
Esse almofadinha convence que ele é um cara durão?

Tudo poderia dar certo, visto que Claire mostra-se disposta a sair dali e mudar de vida com Doug (que ela nem suspeitava ser bandido). Mas estorinha de amor com enredo fácil não tem graça, né? O agente almofadinha do FBI Adam Frawley (Jon Hamm), está vigiando até a própria Claire e o principal agente do crime, o florista Fergie (o ótimo Pete Postlethwaite) pressiona Doug para que este continue no crime e sob o comando dele.

Com ótimas perseguições de carro e muito tiroteio, o filme é bem o gosto americano.

E por que eu não gostei?

Bom, não há nada de original na trama, tem ótimas cenas de ação, o som é bom, a estória é previsível mas é bem contada... e só!

Única expressão facial de Affleck
O que derruba este cine-entretenimento é que nenhum dos atores principais interpreta! A cara de Affleck é a mesma do início ao fim. Nem num momento dramático em que ele conta sobre o dia em que a mãe dele desapareceu há alguma expressão facial. A lindinha Rebecca Hall mal sustenta uma personagem sem sal e sem profundidade, além de sequer saber fingir que tá chorando! Aliás, o romance entre os dois parece daqueles de lésbica com gay, não convence ninguém que ali há um relacionamento amoroso e sexual. E o agente do FBI, todo machão e às vezes violento, é arrumadinho demais para o personagem.

Outro cacoete estranho é que Doug gosta de ficar olhando os aviões riscando o céu... isso quer dizer o quê?

Além desse problemas de composição de personagens e da mediocridade do casal Affleck/ Hall, o final é de gosto duvidoso com um toque de bizarrice:

Pense num casal sem tesão!
Mocinha encontra enterrado no jardim comunitário uma bolsa com um dinheirão roubado, uma cartinha de despedida do bandido-amante e... uma tangerina (!!!). Teve gente que disse que eles tinham combinado se mudar pra uma cidade com nome de fruta (não há esse diálogo no DVD). Curioso é que a mocinha vai direto onde está o roubo escondido (deve ser ali a única área onde ela escava a terra, pois o canteiro é grande), daí a tangerina escondida embaixo de pacotes de dinheiro não se encontrar apodrecida. Aparentemente sem pestanejar, ela doa todo o dinheiro pra instituição educativa para crianças de Charlestown, em homenagem à mãe desaparecida do bandido. Dinheiro roubado não deveria ser devolvido?

Olha como o bandido arrependido sofre!
Bem, o bandido termina numa casa tranquila na beira de um lindo lago! Tadinho, sofrendo tanto porque não pode ficar com a amada! É verdade que o bandido já dava sinais de que estava se tornando um espírito mais iluminado, pois ele nem álcool tomava mais antes de conhecer a mocinha. Mas, entender que se afastar da namorada já é pagamento suficiente pelos crimes violentos que cometeu não é ser romântico demais?

Duvido seriamente que a aclamação da crítica foi comprada pela produção.

Suponho que deve acontecer o seguinte: compra-se os críticos que estão mais em alta, os outros seguem a onda. Porque certamente há muitos “críticos” que nem sequer viram o filme, mas para dar satisfação aos seus leitores ávidos por leitura, apenas copiam as opiniões da grande mídia.